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O nome Maria e a expressão Nossa Senhora

Desde a antiguidade, as plantas medicinais são usadas para a preparação de remédios caseiros, com a finalidade de prevenção e tratamento de diferentes enfermidades. O imaginário e o místico presentes nas mais diversas culturas humanas fez com que diversos povos, de forma intuitiva, buscassem unir a medicina caseira, a religiosidade e a funcionalidade benéfica da planta.

A religiosidade popular unida à promoção da saúde reflete, de modo geral, os aspectos simbólicos, linguísticos e devocionais que são genuinamente utilizados pelo povo brasileiro. A pluralidade do costume de nomear plantas com nomes religiosos chegou no Brasil desde a época das caravelas portuguesas, tendo em vista a influência da tradição católica lusitana. Esse costume foi se expandindo através das práticas de prevenção e cura das doenças originadas da cultura dos indígenas, dos afrodescendentes e dos imigrantes de várias nacionalidades.


Diante da grande dificuldade de acesso ao tratamento médico, a solução das doenças nas comunidades mais distantes, sobretudo nas mais carentes, acabava ocorrendo através da troca de saberes, principalmente no tocante ao uso das plantas. Muitas delas tiveram sua eficácia comprovada cientificamente a posteriori. A planta medicinal é a matéria prima usada na forma seca ou fresca, para a preparação dos chamados “remédios caseiros’; a exemplo dos chás, xaropes, garrafadas, cataplasmas, tinturas, e também na fabricação dos fitoterápicos.


O uso popular de folhas, raízes, cascas, flores e frutos foi no decorrer do tempo, sendo assimilados pelo meio acadêmico, o qual veio a se transformar em uma importante vitrine para a divulgação desse tipo de terapêutica complementar, sendo inclusive valorizado na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde (SUS).


Desde as primeiras civilizações das quais se tem registro as pessoas associam a cura das doenças ao Sagrado, aos deuses. Na devoção católica é comum recorrer à intercessão dos santos, principalmente de Nossa Senhora, a mãe de Jesus. Talvez por isso alguns nomes populares de plantas tenham relação com eles. O que ocorre quando uma planta medicinal recebe um nome popular de base religiosa?


Cientificamente, podemos dizer que não altera nenhuma de suas propriedades químicas. No entanto, tal associação confere certo conforto espiritual, mobiliza a fé do indivíduo. E atualmente a Ciência tem se deparado com muitos estudos que comprovam a importância da espiritualidade na cura de diversas enfermidades, incluindo o câncer.


A Revista Paralellus da UNICAP trouxe à tona este assunto, através de um de seus artigos escritos por mim e as pesquisadoras Rinalda Oliveira e Anamelia Soares Nóbrega. A publicação fala das plantas que existem no território brasileiro usadas para diversas patologias, cujos nomes populares fazem referência à Maria Santíssima. A seguir trago algumas delas:


* Luvas-de-nossa-senhora ou seiva-de-nossa-senhora: nativa da Europa e do norte da África, sendo cultivada no sul do país. A forma das suas flores assemelha-se ao formato de dedal; daí a origem do nome.

Nome científico: Digitalis purpurea L.

Parte utilizada: as folhas, através de seu extrato estabilizado;

Uso terapêutico: tratamento de doenças cardíacas, principalmente nas arritmias e na insuficiência cardíaca congestiva.


* Erva-de-santa-maria: é originária da América Central e espontânea no Sul e Sudeste do Brasil;

Nome científico: Chenopodium ambrosioides L.

Uso terapêutico: como antiparasitário e antiespasmódico.


* Lágrima-de-nossa-senhora: originária da Ásia Tropical, cresce em quase todo território nacional;

Nome científico: Coix lacryma-jobi L.

Uso terapêutico: como diurética e em doenças reumáticas. Estudos farmacológicos comprovaram sua atividade antitérmica, diurética e relaxante muscular.


* Santa-maria, cardo-de-santa-maria, cardo-santo: originária do México, mas encontradas na Índia, África do Sul e Brasil;

Nome científico: Argemone mexicana L.

Partes usadas: raízes, folhas, além das sementes;

Uso terapêutico: para inflamação na bexiga e as sementes torradas no tratamento do AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico. O extrato fluido das folhas mostrou efeito anti-inflamatório.


* Cardo-santa-maria, cardo-de-nossa-senhora, cardo-mariano:

Nome científico: Silybum marianum L.

Partes usadas: as sementes são usadas para facilitar a produção e eliminação de bile, tratamento da hepatite e da cirrose, gordura no fígado e alterações hepáticas induzidas pelo álcool.


* Maria-milagrosa: é nativa do Brasil;

Nome científico: Vernonia verbenaceae (DC.) Borhidi;

Partes usadas: suas folhas, no combate das úlceras estomacais, como analgésica e no combate à artrite, sendo comprovada experimentalmente sua atividade anti-inflamatória.


* Santa-maria: nativa do Brasil;

Nome científico: Allamanda cathartica L.

Partes usadas: as suas folhas possuem indicação popular como planta purgativa e anti-helmíntica, teve em sua avaliação farmacológica evidências de propriedades catártica;


* Santa-maria: também é nativa do Brasil;

Nome científico: Peltodon longipes Benth;

Uso terapêutico: suas folhas são empregadas como emenagoga (indutora da menstruação) e reguladora do fluxo menstrual, as quais foram comprovadas.


Nota: Apesar da planta anterior ter o mesmo nome popular, ambas são espécies diferentes, atuando em tratamentos terapêuticos distintos.


Fonte: Paralellus. Revista de Estudos de Religião UNICAP, Recife. Volume 11 – Número 26; dossiê: espiritualidades indígenas. Jan. abr. 2020.



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