Meu bebê está amarelo. O que faço?
- Dra. Valdelene Andrade
- 11 de mai. de 2021
- 5 min de leitura
Essa tem sido uma preocupação de muitos papais e mamães após a chegada de um recém-nascido. Realmente é motivo para procurar consulta com o pediatra. Mas não precisa entrar em desespero, porque na maioria dos casos, não é grave. Pode ser o que chamamos de icterícia fisiológica, devido à imaturidade hepática ou até ao próprio leite materno. Tais icterícias fisiológicas não costumam ultrapassar 14 dias.

Essa condição não é motivo para a suspenção do aleitamento, que deve ser exclusivo nos primeiros seis meses. Em grande parte das vezes o médico, diante de um exame físico bem feito e ocasionalmente de exames laboratoriais, recomendará o banho de sol diário. Este deverá ser feito com o bebê usando apenas a fraldinha, 15 minutos na posição de frente, 15 minutos de costas.
Não está indicado em hipótese nenhuma o chazinho da vovó, porque não resolve e poderá causar uma intoxicação. É sempre bom lembrar que as plantas contêm diversas substâncias que a farmacologia chama de princípios ativos, dos quais serão feitos os remédios. Então, não vale a máxima: “tudo o que é natural, não faz mal”. O fígado das crianças está em desenvolvimento e é o laboratório do nosso corpo; ou seja, por ele passa tudo o que ingerimos para ser metabolizado e só então será eliminado do organismo, aquilo que não deve ser absorvido. Se o bebê está com icterícia, poderá haver uma piora com o uso de plantas e medicamentos.
No entanto, através de um teste chamado bilirrubina total e frações, havendo ainda uma diferença de tipo sanguíneo entre o recém-nascido e a mãe (principalmente em mulheres Rh negativas), o pediatra poderá suspeitar de alguma anomalia a ser tratada.
Existe ainda a chamada incompatibilidade ABO, quando a mãe é do tipo O e o filho, A, B ou AB; mas não costuma ser grave. No entanto, nas mulheres cujo Rh é negativo e o seu filho é Rh positivo, poderá haver um tipo de icterícia mais séria (eritroblastose fetal). Existem casos em que ocorrerão níveis de bilirrubina muito altos, necessitando do chamado “banho de luz” ou fototerapia* na maternidade. Do contrário, a criança poderá desenvolver um quadro grave chamado kernicterus, impregnando o Sistema Nervoso, causando lesões irreversíveis e até a morte.
O exame deverá ser interpretado por um pediatra ou médico experiente, pois a bilirrubina indireta apresenta diferentes níveis de tolerância conforme o peso da criança, prematuridade e número dias a partir do nascimento. Assim, um bebê de quatro quilos tolera melhor um determinado valor de bilirrubina do que um bebê de 2 quilos, por exemplo. Um bebê no primeiro dia de vida tende a se agravar com o mesmo valor detectado no exame de outro, que está no quinto dia de vida; sendo que no último caso, não ocorreria necessidade de tratamento. Crianças prematuras são mais sensíveis do que as de termo. E assim por diante**.
Algumas doenças poderão ainda se manifestar pelo acúmulo da bilirrubina direta, como na atresia biliar. *** Patologia grave, que deve ser diagnosticada precocemente para que seja tratada e não leve à morte. Frequentemente precisará de transplante de fígado.
Outra causa possível para a cor amarela acumulada na pele dos pequenos é a ocorrência de infecções. Pode ser uma infecção do trato urinário, uma meningite bacteriana, ou uma sepse (infecção generalizada); enfim, algo que deve ser investigado. Outra doenças importantes a se pensar: síndrome de Crigler-Najjar, síndrome de Gilber e doença de Gaucher, que não cabe detalhar aqui.
As chamadas TORCH, infecções congênitas do tipo toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, hepatites Virais, sífilis congênita, citomegalovírus, herpes. E doenças como coxsackie, echovirus, (vírus da imunodeficiência humana) HIV, tuberculose, listeriose, dentre outras moléstias precisam ser diagnosticadas precocemente. Existe ainda uma deficiência enzimática da chamada glicofosfatodesidrogenase (G6PD)****, que leva à icterícia por hemólise (destruição) das hemácias (células do sangue que transportam o oxigênio) por todo o corpo.
O pediatra poderá lançar mão de sorologia para detectar as TORCHS, de um hemograma e cultura de urina, na tentativa de detectar infeções e até mesmo da coleta do líquor (líquido presente no Sistema Nervoso Central), para pesquisar uma possível meningite (infecção das meninges, membranas que recobrem o cérebro e a medula espinhal). O teste do pezinho ampliado é o exame mais importante, indispensável, que detecta doenças congênitas graves, incluindo a deficiência de G6PD e anemia falciforme, a galactosemia, intolerância hereditária à frutose e a tirosinemia*****. Infelizmente o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza apenas o teste de pezinho num formato mais simplificado, não contemplando o diagnóstico desta e de outras enfermidades.
Quando essa icterícia é detectada ainda na maternidade e se faz necessário, poderá ser realizado um procedimento complexo em Pediatria; a chamada exsanguineotransfusão, onde todo o sangue do bebê será trocado, dando-lhe tempo para produzir outro sem os anticorpos da mãe que estão provocando o problema.
Em suspeita de colestase (intra ou extra hepática), um exame útil e de fácil execução é a ultrassonografia de abdome. Quando não for suficiente para a elucidação do caso, a colangiografia operatória, realizada após uma minilaparotomia, poderá ser feita como último recurso. Diante da dificuldade na execução da colangiografia, o cirurgião experiente poderá estabelecer o diagnóstico de atresia biliar extra-hepática pela avaliação macroscópica das estruturas hepatobiliares.
O importante é não se desesperar porque tem tratamento, mas também não negligenciar esse achado no bebê. Quando as mãos e pés estão amarelados é mais grave do que quando a icterícia estiver atingindo apenas a cabeça e o tronco. As fezes do recém-nascido deverão ser observadas, pois poderão revelar indício de alguma doença. No cartão de vacina tem as escalas de coloração que a família deverá considerar normal ou não. Quando são esbranquiçadas (acólicas), é um sinal de gravidade. A urina muito alaranjada ou escura demais também pode ser um indício de anormalidade.
Fique atento e na dúvida, procure um posto de saúde ou um médico na sua região.
*A fototerapia é um procedimento onde o recém-nascido é colocado durante 12h por dia sob uma luz azul fluorescente que age quebrando a molécula de bilirrubina em pedaços, facilitando a sua excreção na urina e nas fezes.
**A fototerapia usada no recém-nascido com peso maior e igual a 2500 kg, por exemplo deverá ser realizada nas seguintes condições: com: Bilirrubina Indireta (BI) > 10mg/dl nas primeiras 24 horas. BI > 12mg/dl entre 24 a 72 horas. BI > 15 ou 17mg/dl maior que 72 horas (Facchini (2008).
***A grande maioria dos portadores são assintomáticos, e descobrem esta deficiência enzimática após o uso de determinados fármacos, alimentos ou corantes.
****Atresia biliar é a obstrução da árvore biliar motivada pela esclerose progressiva dos ductos biliares extra-hepáticos. Realiza-se o diagnóstico por exames de sangue, ultrassonografia, biópsia hepática e varredura hepatobiliar. O tratamento é cirúrgico, devendo ser realizado até o segundo mês devida.
*****A tirosinemia é causada pela falta da enzima necessária para metabolizar o aminoácido tirosina. Os sintomas incluem deficiência intelectual, doença hepática e renal e fluidos corporais que têm odor de repolho cozido. O diagnóstico se baseia em um exame de sangue.

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